A Cabocla Jurema é uma entidade espiritual, uma “cabocla” ou “divindade” evocada tanto por indígenas, como por remanescentes herdeiros diretos das cerimônias do Catimbó, bem como de seguidores dos cultos afro-brasileiros, dos praticantes da Umbanda e da nossa Linha Unificada.
Dentre os estudos da antropologia brasileira, Jurema ocupa um lugar singular, visto que o próprio termo comporta denotações múltiplas, que são associadas em um simbolismo complexo.
Seu nome é a denominação de um “preparado líquido” à base de elementos de uma “árvore sagrada” para os índios, conhecida como Jurema ou Árvore de Jurema. Assim como a Ayahuasca, a Jurema é uma medicina, uma bebida sagrada.
Esse preparado originário de práticas indígenas muito antigas, de uso medicinal ou místico, o “vinho da Jurema” como preferem alguns, é parte fundamental numa cerimônia mágico-religiosa, liderada por pajés, xamãs, curandeiros, rezadeiras, pais-de-santo e mestres juremeiros que preparam, bebem e a dão a beber a seus iniciados.
Jurema, árvore sagrada e culto popular
Numa primeira fase da colonização, a resistência dos povos indígenas no Nordeste, não permitiu que a Jurema, enquanto Árvore Sagrada, fosse conhecida em seus usos e significados, não sendo assim documentada pelos colonizadores estrangeiros.
A partir da segunda fase histórica, a Jurema passa a ser um elemento ritual ligado à própria resistência armada dos povos indígenas ou à guerra empreendida contra inimigos. Ainda nesta fase, na qual a Jurema começa a ser documentada, seu significado ainda não é bem compreendido, mas seu uso já é motivo de repressão, prisão e morte de índios.
Na medida em que avança a colonização, avançam também o processo de genocídio ou tentativa de dominação, não só política e econômica como também cultural do índio. Surge então uma nova forma de resistência: a Jurema assume um lugar central na religiosidade popular, não só indígena regional, mas por todo o nordeste. Nasce o Catimbó.
Catimbó, o mundo encantado ou Juremá
O Catimbó é um conjunto específico de atividades mágico-religiosas, originárias do nordeste brasileiro, conhecido desde meados do século XVII, que resulta da fusão entre as práticas de magia provenientes da Europa e rituais indígenas de pajelança que foram agregados ao contexto das crenças do catolicismo. Conforme a região de culto, influências africanas podem ser notadas, de forma limitada, entretanto.
De forma geral, o Catimbó não pode ser considerado uma religião, uma vez que não reúne em sua estrutura elementos doutrinários próprios, como dogmas ou liturgias. Assim, concebe-se o Catimbó como um culto ou um sistema mágico calçado sobre os preceitos do catolicismo popular. Nesses cultos ou sessões, como eram chamados os rituais, cultuam-se os santos católicos, a Virgem Maria e Jesus Cristo, bem como as ervas sagradas e a árvore da Jurema, onde se apoia toda a organização do Catimbó.
Nas sessões do Catimbó o ” vinho de Jurema” – preparado com a árvore sagrada Jurema e uma variedade de ervas misturadas à cachaça ou vinho branco – é ingerida pelos iniciados. A ingestão da bebida sagrada Jurema, em conjunto com os toques e as cantigas rituais do Catimbó, provoca um estado de transe profundo, interpretado pelos Catimbozeiros, como a incorporação dos Mestres da Jurema.
Estas entidades espirituais, que habitariam o Mundo Encantado ou Juremá, teriam sido adeptos do Catimbó que, ao morrerem, se “encantaram”, ou seja, foram transportados a este estado espiritual, de onde podem atender os vivos pela realização de curas e aconselhamento através da incorporação. Diante do componente negro, a Jurema garante seu reconhecimento, como entidade (espírito, divindade, cabocla), “dona da terra”. A Jurema é absorvida pelos cultos afro-brasileiros, tendo surgido mais tarde inclusive, o “Candomblé de Caboclo“.
Jurema na Umbanda
Segundo algumas tradições, Jurema é a Rainha das Matas, a filha mais velha do Caboclo Tupinambá, possuindo mais duas irmãs chamadas Jupira e Jandira.
Em outra tradição, conta-se que Jurema é filha única de Tupinambá e seria casada com o Caboclo Sete Flechas, com o qual teria quatro filhas: Jupira, Jandira, Jacira e Jaciara.
Presta sua caridade em qualquer Casa de Cultos de Umbanda (ou de Umbadaime) somente por caridade, não admitindo cobranças pela consulta.
Sua legião é constituída de grandes entidades espirituais, espíritos puros que amparam os sofredores, utilizando o processo de passes-curas (benzeções) através das ervas.
“Normalmente a entidade Cabocla Jurema, quando está trabalhando, atrai a presença, vibração de todas as caboclas Jurema, ou seja, Jurema da Cachoeira, Jurema da Praia, Jurema das Matas etc, pois na realidade todas são uma única vibração que trabalha com os ambientes da natureza, ex: lua, sol, mata, chuva, vento etc.
A Jurema trabalha dentro da necessidade de cada pessoa, transmitindo coragem e energia. Tem sempre uma palavra de alento e conforto para aqueles que sofrem de enfermidades. Ela nos ensina a suportar as dificuldades e nos dá coragem para suportá-los.” – José Motta de Oliveira
Em algumas casas de Umbanda, de acordo com sua interpretação das Sete Linhas, a Cabocla Jurema estaria associada à Linha das Águas ou Linha de Yemanjá. Mas, em geral, a tradição vê a Jurema como uma entidade espiritual que trabalha na linha de Oxóssi, uma entidade Guia – Chefe de uma das sete falanges na Linha de Oxossi.
Ela trabalha na legião constituída de grandes entidades espirituais, espíritos puros que amparam os sofredores e mais necessitados, utilizando o processo de passes-cura (benzeções), através das ervas e pontos riscados.
Vejamos algumas das manifestações principais da Jurema:
-
Cabocla Jurema da Praia – ligada com Iemanjá – irradiação de Oxalá – companheira de Caboclo Sete Pedreiras
-
Cabocla Jurema da Cachoeira – ligada com Xangô – com irradiação de Oxum – companheira do Caboclo Rompe-Mato
-
Cabocla Jurema da Mata – ligada com Ogum – companheira do Caboclo das Matas
-
Cabocla Jurema Flecheira – ligada com Oxossí – irradiação de Iansã – companheira de Caboclo Sete-Flechas
-
Cabocla Jureminha – ligada com Ibejada (Cosmes) / Linha do Oriente – companheira do Caboclo Cobra Coral
-
Cabocla Jurema Preta – ligada com Omulu/Linha Africana – companheira do Caboclo Arranca-Toco
-
Cabocla Jurema da Lua – ligada a Nanã – companheira do Caboclo Araúna
Nota: Segundo alguns autores, a Cabocla Jurema aparece como vibração original de Iansã, enquanto para outros ela está relacionada a Oxum.
Referências
Federação Espírita de Umbanda – Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1942
NETO, Antonio Alves Teixeira. Umbanda dos Pretos Velhos. Ed. Eco, 1965
BASTIDE, Roger. As religiões africanas do Brasil – 1978
SALES, Nívio Ramos. Rituais Negros e Caboclos. Da origem, da crença e prática do candomblé, pajelança, catimbó, umbanda, jurema e outros. Rio de Janeiro: Pallas, 1986
FREITAS, Brasão de. Umbanda. Hemus, 1988
ORPHANAKE, J. Edison. Conheça a Umbanda. Ícone, 1991
VERGER, Pierre Fatumbi. Notas sobre o culto aos orixás e voduns. Ed.EDUSP, 1998
OLIVEIRA, José Motta de. Das Macumbas à Umbanda – Uma Análise Histórica da Construção de Uma Religião Brasileira. Ed. do Conhecimento, 2008
VOLTAR PARA: